Reconstruindo o Bardo

Humberto Cunha

Há algo de perfumado na Serra de Guaramiranga! É o cheiro de suor e o aroma de criatividade dos melhores do mundo para tragédia, comédia, história, pastoral, comédia pastoral, pastoral histórica, pastoral trágico-histórica, trágico-cômico-histórica, cenas sem divisão ou poesia sem limite. Para eles, Plínio Marcos não é muito pesado nem José de Alencar leve demais. São únicos, tanto para ler como no improviso.

Nesse lugar, onde a Mata Atlântica reflete na ribeira cristalina sua copa esverdeada, faz 25 anos que acontece o Festival Nordestino de Teatro, um evento que experimenta a dor e a delícia de ser e não ser: tão firme em seus delineamentos, tão adaptável aos tempos, tão astuto, estrategista e até esgrimista para garantir a própria sobrevivência.

Gestado a partir da mesma matéria de que são feitos os sonhos e os atrevimentos, ganhou vitalidade por compreender que não há melhor companhia para a beleza do que a honestidade, não aquela piegas do moralismo, mas a que faculta ao teatro, se ele quiser, enfatiza-se, interferir na vida, usando as ferramentas dos chistes, das cabriolas, das canções e dos rasgos de alegria ou de seus opostos, invertendo ou equilibrando a regra pragmática que pede mais matéria e menos arte.

Mas essa é a questão: tudo isso só foi possível por causa de uma feliz congregação de pessoas insanas, que agora já caminham para a segunda infância, mas que não deixam de ver e falar com os fantasmas e anjos da primeira. Loucos e loucas não do tipo que tememos quando manuseiam o poder, mas daqueles cuja loucura se mostra mais fértil que a sanidade. Foram artífices da ideia, carpinteiros e carpinteiras das cenas, ferreiros e Ferreiras desse percurso, que inspiram a exclamação: fragilidade/fortaleza, teu nome é mulher, teu sobrenome é homem, tua constância é o humano.

Ah, Shakespeare, você que em letras percorreu a Dinamarca, a Inglaterra, Verona, Veneza, Roma, Nápoles e tantos outros lugares, quando vier a Guaramiranga para essas bodas do FNT com a Cidade, verá que as nossas distâncias são menores e mais aconchegantes, ao ponto de ter a certeza de que entre a Pracinha Central e o Convento dos Capuchinhos há muito mais coisas e afetos do que pode supor a nossa vã filosofia.

Humberto Cunha Filho
Advogado, Professor e Sócio-fundador da AGUA