Uma cidade, um palco, uma escola

Magela Lima

A história do teatro no Brasil é marcada por momentos de encontro provocados por diferentes festivais em diferentes tempos. Da cena colonial ao moderno teatro, o país foi dando conta de sua real cena e seu real tamanho enquanto artistas e espetáculos iam desafiando fronteiras. Recorte tão intenso tão quanto festejado no nosso mapa, o Nordeste, por exemplo, teria tardado em sua invenção não fossem o Festival do Autor Novo e o Festival de Amadores Nacionais tocados por Paschoal Carlos Magno na década de 1950.

Dali, o pernambucano Hermilo Borba Filho, o paraibano Ariano Suassuna e a nossa Rachel de Queiroz saíram outros. Saíram maiores. Os anos foram correndo e os festivais, cada vez mais, se impondo como vitrine necessária ao alargamento da cena nacional. O teatro, por brasileiro, tinha se acostumado aos palcos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Devemos, pois, aos festivais o fato de o Brasil ter se apoderado de um teatro verdadeiramente brasileiro. Boa prova disso é a presença expressiva do sotaque local nas primeiras edições do Festival de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, em meio à repercussão calorosa da Comédia Cearense em 1970 e 1971.

É dessa força que se nutre o Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga. Ao longo de 25 anos de história, o evento transformou uma cidade miúda, uma das menores do Ceará, num dos palcos mais potentes e criativos do Brasil, extrapolando os limites de uma programação de caráter meramente artístico e se assumindo como um espaço fantástico para troca de saberes, uma verdadeira escola a céu aberto. Longe de se amarrar em rígidas rubricas, Guaramiranga especializou-se em afirmar afinidades enxergando vida e beleza na cena mais diversa possível.

Cabe tudo em Guaramiranga. Cabe o mundo. Do teatrão à performance, do besteirol ao ativismo, circo, boneco, drama, comédia… Cabe tudo em Guaramiranga. O festival, ao fazer circular e se encontrar formas e ideias as mais variadas de teatro, é sempre uma surpresa feliz, uma oportunidade ímpar de rever conceitos, de se abrir ao novo. Ano após ano, Guaramiranga vem contribuindo para o teatro brasileiro se assenhorar de novas gerações, experimentos e conexões, ao passo que celebra contribuições já resguardadas pelo tempo. Guaramiranga tem, sobretudo, ensinado a acreditar e a celebrar o teatro, seja ele qual for. Vida longa ao Festival Nordestino de Teatro!

Magela Lima
Jornalista, doutor em Artes Cênicas.